O caso da chamada “Escolinha da Tortura”, em Araucária, trouxe à tona uma ferida que vai muito além da dor da criança de apenas quatro anos, encontrada amarrada em um banheiro escolar. A denúncia oferecida pelo Ministério Público do Paraná contra professoras e gestoras da instituição não é apenas um processo criminal. É, sobretudo, um alerta para a sociedade e para o poder público: não podemos mais tratar a concessão de alvarás e a fiscalização de escolas como mera burocracia.

Segundo a Promotoria de Justiça, o menino autista foi submetido a intenso sofrimento físico e mental, amarrado pelos punhos e pela cintura como forma de “castigo”. Uma violência brutal contra quem deveria receber cuidado, acolhimento e estímulo. A comunidade araucariense se revoltou — e com razão. Afinal, uma cidade inteira confiou naquela instituição, acreditando que seus filhos estariam em segurança, quando, na prática, estavam expostos a um cenário de negligência, crueldade e omissão.
É importante lembrar: esse não foi um episódio isolado. Informações posteriores, somadas a áudios e imagens, revelaram que a prática se repetia, atingindo outras crianças. Isso mostra que não se tratou de um “erro pontual”, mas de uma conduta sistemática de violência. Mais grave ainda: a direção sabia dos métodos e preferiu se omitir.
O papel da Prefeitura
Neste ponto, cabe um questionamento direto ao poder público municipal: como uma instituição com práticas tão desumanas conseguiu manter seu alvará de funcionamento? Será que a fiscalização das escolas particulares infantis é apenas documental? Seria aceitável que uma clínica, um hospital ou um restaurante funcionassem sem inspeções regulares? Por que, então, com crianças, aceitamos uma fiscalização menos rigorosa?
A Prefeitura precisa, com urgência, rever seus critérios para concessão e renovação de alvarás. Não basta cobrar documentos ou um CNPJ ativo. É fundamental que haja vistorias reais, presenciais, criteriosas e frequentes. Os profissionais que lidam com crianças pequenas devem ter formação comprovada, e as condições físicas, pedagógicas e psicológicas da instituição precisam ser avaliadas periodicamente.
Cassação imediata do alvará
Em casos como o da “Escolinha Shanduca”, não há margem para discussão: o alvará deve ser cassado imediatamente. Não se trata de uma penalidade administrativa comum, mas da preservação da vida, da saúde e da dignidade de crianças. Quando uma instituição falha de forma tão grave, ela perde qualquer direito de continuar funcionando.
Fiscalização nas demais escolas
É igualmente necessário que a fiscalização se estenda a outras escolas e centros infantis do município. Infelizmente, os bons pagam pelos maus — e aqui, a responsabilidade do poder público é separar quem cumpre a lei e atua com amor à educação, daqueles que veem a escola apenas como negócio. Os pais precisam ter a tranquilidade de saber que, ao deixar seus filhos em uma instituição, há a garantia de que o ambiente é seguro, ético e fiscalizado.
Responsabilidade compartilhada
A sociedade, por sua vez, também precisa estar atenta. Sintomas como choro constante, medo ou mudanças bruscas de comportamento das crianças devem ser investigados com seriedade. Muitas vezes, são os sinais que antecedem a descoberta de abusos e maus-tratos. O caso em Araucária só foi revelado porque houve denúncia e atuação rápida do Conselho Tutelar e da Guarda Municipal.
Reflexão final
O episódio da “Escolinha da Tortura” deve servir como divisor de águas. Que não seja apenas mais uma manchete, esquecida após alguns meses. A dor daquela criança não pode ser em vão.
É hora de exigir da administração municipal um controle rigoroso, com vistorias reais, protocolos claros e punições exemplares. É hora de fortalecer o papel dos conselhos tutelares e de valorizar os profissionais que, de fato, cuidam com responsabilidade das nossas crianças.
Se há um legado que esse caso pode deixar, é o da transformação: transformar a revolta em ação, a dor em mudança e a indignação em um sistema mais justo e seguro. Porque quando falamos da infância, não há espaço para negligência — cada falha custa caro demais.
Por Marcello Sampaio