Por Marcello Sampaio – Coluna Em Cima do Imbróglio
A disputa pelo contrato de gestão do Hospital Municipal de Araucária (HMA) ganhou novos contornos nesta semana e pode expor mais do que divergências administrativas: revela uma possível tentativa da nova administração municipal de moldar contratos estratégicos em benefício de grupos específicos.
O Instituto Nacional de Desenvolvimento Social e Humano (INDSH), segundo colocado na concorrência, entrou com recurso formal nesta quarta-feira (23), solicitando a desclassificação do vencedor, o Instituto de Desenvolvimento, Ensino e Assistência à Saúde (IDEAS), apontando “flagrantes irregularidades” na proposta vencedora. O processo está sob análise da comissão de credenciamento da Secretaria Municipal de Saúde (SMSA).
A proposta e o impasse
O IDEAS apresentou proposta de R$ 5,5 milhões mensais para administrar o HMA – cerca de R$ 600 mil abaixo do teto de R$ 6.088.899,03 estipulado pela Prefeitura. O INDSH propôs um valor de R$ 6.032.926,13, mais próximo do limite. Embora um valor inferior possa parecer vantajoso à primeira vista, especialistas alertam: em contratos públicos de gestão hospitalar, o preço não é tudo. E nesse caso, o “desconto” pode esconder riscos.
Irregularidades apontadas
O INDSH denuncia que a proposta do IDEAS:
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Oferece salários abaixo do piso legal e da convenção coletiva, o que pode configurar fraude trabalhista.
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O salário de assistente social, por exemplo, foi proposto em R$ 3.424, abaixo do mínimo legal de R$ 3.535.
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Os vencimentos de técnicos de enfermagem e enfermeiros também estariam em desacordo com a Lei nº 14.434/2022, que fixou o piso nacional da categoria.
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Omissão de cargos essenciais na área administrativa, como financeiro, compras, contratos e recursos humanos, o que comprometeria a governança hospitalar.
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Ausência de previsão para contratação de jovens aprendizes, descumprindo exigência legal.
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Falta de carga horária prevista para pediatras plantonistas noturnos e atendimento diurno em clínica pediátrica, o que infringe resoluções do Conselho Federal de Medicina (CFM).
Suspeitas de favorecimento político
O ponto mais sensível do caso envolve o momento político em que a licitação foi realizada. A administração municipal atual, liderada por Gustavo Botogoski, assumiu com o discurso de modernização e transparência, mas setores internos já indicam um alinhamento estratégico com o IDEAS.
Fontes ouvidas com exclusividade pela coluna apontam que o novo governo teria atuado nos bastidores para beneficiar o IDEAS, inclusive ajustando cláusulas técnicas da concorrência para eliminar exigências que prejudicariam a instituição. A proposta com valores abaixo da realidade de mercado também levanta questionamentos sobre a viabilidade financeira real do projeto – e quem pagará a conta no futuro.
“Se não tiver dinheiro suficiente para pagar profissionais qualificados, quem vai sofrer é a população. E a bomba estoura no colo da prefeitura depois”, disse uma fonte da SMSA sob condição de anonimato.
A quem interessa esse contrato?
A grande pergunta da vez é: quem está ganhando com esse contrato? Se o IDEAS de fato não tiver condições reais de execução, há risco de colapso nos serviços do hospital e novas emergências administrativas, como já ocorreu em outras cidades onde a OS atuou.
Segundo informações de bastidores, o IDEAS já é conhecido por participar de licitações com propostas agressivas em preço e depois pedir reequilíbrio financeiro, prática que precariza o serviço público e força aumentos posteriores sob justificativa de inviabilidade.
Impacto no atendimento à população
Enquanto a batalha jurídica avança, a Beneficência Hospitalar Cesário Lange (BHCL), atual gestora, se prepara para entregar a administração às 00h01 do dia 1º de maio. Ou seja: falta menos de uma semana para o início do novo contrato, e o risco de transição tumultuada é alto.
Profissionais do HMA já demonstram preocupação com a falta de clareza na mudança. “Até agora ninguém sabe como vai ser a troca. Nem a escala de médicos foi divulgada. Estamos no escuro”, relatou uma enfermeira que pediu anonimato.
E agora, SMSA?
A Comissão de Credenciamento da SMSA tem poucos dias para decidir se aceita o recurso do INDSH ou mantém o contrato com o IDEAS. A depender da resposta, é provável que a questão acabe judicializada.
Enquanto isso, o futuro da saúde pública de Araucária está nas mãos de um embate entre dois institutos – mas as consequências reais vão muito além de uma disputa de papelada: quem precisa do HMA é quem mais corre risco.
“Se a Prefeitura quer mesmo transparência e boa gestão, deveria rever todos os critérios dessa contratação. Não é só o preço que está em jogo, é a vida das pessoas”, conclui uma fonte do Conselho Municipal de Saúde.
Reportagem: Marcello Sampaio
Coluna: Em Cima do Imbróglio – Tribuna da Cidade
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