Por Marcello Sampaio | Especial para Tribuna da Cidade
O caso do servidor municipal de Ponta Grossa que durante quase dois anos apenas batia o ponto e ia embora sem trabalhar causou revolta e vergonha. Mas segundo denúncias obtidas com exclusividade pela reportagem, essa não é uma situação isolada.
Documentos internos e depoimentos de funcionários e moradores apontam que o esquema de “servidores fantasmas presenciais” — aqueles que marcam presença mas não cumprem jornada — pode estar mais disseminado do que se imaginava, especialmente em prefeituras do interior paranaense.

“É UMA CULTURA SILENCIOSA”
“Infelizmente, virou rotina. Tem gente que bate ponto e vai embora, tem quem chegue só para almoçar, outros somem por semanas alegando ‘reuniões externas’ e ninguém cobra nada”, denuncia um funcionário público de outra secretaria de Ponta Grossa, que pediu sigilo.
O caso revela não só a conduta do servidor, mas a omissão dos gestores diretos, a ineficácia dos controles e a ausência de um sistema robusto de responsabilização funcional.
IMPACTOS PARA A CIDADE
Comércio local, usuários dos serviços públicos e entidades representativas da população apontam os prejuízos de um sistema onde poucos produzem para sustentar uma estrutura inchada e pouco fiscalizada.
“Faltam fiscais na saúde, na educação, no transporte, e tem gente recebendo para não fazer nada. É uma covardia com quem paga imposto e está na fila do posto de saúde esperando atendimento”, disse André Luiz Ribeiro, presidente de uma associação de bairro.
“Isso atrapalha até o comércio. A máquina pública vira cabide, e o dinheiro que deveria circular na economia acaba sustentando ineficiência”, opina Claudinéia Batista, proprietária de uma papelaria.
ESPECIALISTAS DEFENDEM REFORMA E TRANSPARÊNCIA
Segundo o advogado Guilherme Serra, especialista em direito administrativo, o caso mostra a urgência de mudanças estruturais:
“É necessário implantar indicadores de desempenho reais, relatórios mensais de produtividade e sistemas automatizados de controle. O ponto eletrônico não pode ser um ritual vazio.”
Além disso, há consenso de que a impunidade administrativa estimula novas fraudes. Muitos servidores públicos indisciplinados são apenas “remanejados” ou recebem penas brandas como advertência, mantendo seus vencimentos integrais.

O QUE PODE MUDAR
A Prefeitura de Ponta Grossa estuda implementar um novo modelo de controle de frequência com georreferenciamento, sistema de alertas e integração com avaliação de produtividade. Mas há resistência interna.
“Todo mundo quer moralidade, mas poucos aceitam ser fiscalizados. A mudança tem que ser de cima para baixo, com coragem”, comentou um auditor interno.
A Câmara Municipal também estuda criar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Pontos Fantasmas, para investigar a extensão do problema em todas as secretarias.
UM SINTOMA DE UMA CRISE MAIOR
Casos como este, infelizmente, não são novos no país. Mas o momento político exige resposta rápida e firme. A imagem do funcionalismo sério — composto por milhares de servidores dedicados — acaba manchada por poucos que, por conivência ou omissão, exploram o sistema para benefício próprio.
“Eu trabalho no almoxarifado há 11 anos. Nunca faltei. Ver gente ganhando igual a mim sem aparecer me dá nojo”, afirma Dora Cristina Silva, servidora municipal.
CONCLUSÃO
O escândalo do servidor de chinelo e bermuda pode ser apenas o início de uma série de revelações sobre a falta de fiscalização, responsabilidade e meritocracia dentro da administração pública paranaense.
Cabe à sociedade, ao Ministério Público, ao Judiciário e aos órgãos de controle agir com firmeza — não apenas contra um, mas contra toda uma estrutura que permite e se cala diante dessas práticas.
Série especial de Marcello Sampaio
