Bamba, Kichute, Montreal, Rainha: por onde andam os tênis que marcaram os passos do Brasil nos anos 80

Por Marcello Sampaio | Tribuna da Cidade

Antes das marcas internacionais tomarem de assalto as vitrines brasileiras, os pés da juventude nacional eram calçados com orgulho por marcas 100% brasileiras. Kichute, Bamba, Montreal, Conga e Rainha não eram apenas tênis: eram símbolos de uma época em que a moda era ditada nos campinhos de futebol de terra batida, nas escolas públicas e nas tardes de domingo em frente à televisão. Mais do que calçados, eram parte da identidade de uma geração inteira.

Hoje, esses nomes ecoam com força na memória afetiva de quem viveu a infância e adolescência nos anos 1980. Muitos desses modelos desapareceram com o tempo, outros tentaram — ou ainda tentam — voltar ao mercado embalados por uma onda nostálgica que resgata o passado com um olhar moderno. Vamos relembrar o destino dessas marcas que calçaram o Brasil com tanta história.

Kichute: o craque das peladas de rua

Fabricado pela Alpargatas e lançado em 1970, o Kichute foi uma febre entre os meninos apaixonados por futebol. O modelo trazia cadarços que subiam até o tornozelo, lembrando chuteiras, com sola de borracha resistente, ideal para encarar qualquer tipo de terreno — especialmente os campos de areia e barro das periferias.

No auge do sucesso, o Kichute vendia mais de 9 milhões de pares por ano. Era comum ver a molecada jogando bola descalça ou com o calçado debaixo do braço, protegendo o solado para a hora do jogo “valendo”. Era o tênis de quem queria se sentir um Pelé ou um Zico, ainda que o uniforme fosse só o shortinho do colégio.

O declínio veio nos anos 1990, com a chegada das marcas internacionais e a ascensão do consumo de grifes estrangeiras. Mesmo assim, o Kichute jamais foi esquecido. Em 2022, a marca foi adquirida por um novo grupo empresarial que prometeu relançar o modelo com foco em vendas online. O projeto, no entanto, não se concretizou até 2025, frustrando milhares de nostálgicos.

Conga: o básico que virou tendência

Antes de o “casual” virar uma categoria de moda, já existia a Conga, calçado de design simples, leve e funcional. Lançada pela Alpargatas em 1959, foi o uniforme não-oficial de crianças e adolescentes por décadas.

Era o tênis da aula de educação física, das brincadeiras no recreio e das idas à casa da avó. Tinha sola reta, estrutura de lona e estava disponível em cores neutras, que combinavam com qualquer roupa do dia a dia.

Nos anos 1990, a Conga foi descontinuada, vítima da concorrência feroz das novas marcas que invadiam o mercado nacional. Hoje, a marca não existe mais de forma oficial, mas seu estilo é revivido por diversas grifes brasileiras, que apostam na simplicidade como um charme vintage.

Bamba: o irmão brasileiro do All Star

O Bamba nasceu como uma resposta nacional ao cultuado All Star. Também feito de lona, com solado de borracha, ele conquistou o gosto dos jovens urbanos que buscavam atitude e estilo nas ruas.

Era o calçado das turmas do fundão, dos skatistas iniciantes, dos que escreviam letras de música em cadernos e sonhavam com uma banda de garagem. O Bamba era acessível, estiloso e, acima de tudo, brasileiro.

Sumiu do mercado junto com a Conga, na virada dos anos 1990. Mas, diferente de sua irmã mais velha, ainda tentou ressurgir no século XXI. A mesma empresa que prometeu o retorno do Kichute também anunciou o relançamento do Bamba em versões modernas. Até agora, em 2025, esses pares seguem apenas como promessa, mas o burburinho em redes sociais e grupos de colecionadores mostra que a saudade é real.

Rainha: da quadra ao guarda-roupa

A Rainha é a que mais resistiu ao tempo. Fundada em 1934 e comprada pela Alpargatas em 1978, a marca foi pioneira em associar esportes, tecnologia e marketing. Tornou-se referência no vôlei, esporte que dominou os anos 1980 com o patrocínio da equipe da Pirelli e a presença em quadras escolares do país inteiro.

Além do desempenho esportivo, a Rainha caiu no gosto do público por sua estética inovadora. Era o tênis que se usava para correr no parque, mas também para ir ao shopping ou à matinê.

Hoje, a marca pertence à BR Sports, do Grupo Sforza, e continua ativa no mercado, com e-commerce e lojas físicas em estados como São Paulo e Minas Gerais. Seus modelos atuais equilibram a estética retrô com funcionalidades modernas, mirando tanto os nostálgicos quanto as novas gerações.

Montreal: a estrela dos domingos na TV

Se você foi criança nos anos 1980, provavelmente se lembra do “Domingo no Parque”, de Silvio Santos. Era lá que o Tênis Montreal virou estrela, sendo um dos prêmios mais desejados nas brincadeiras do programa.

O Montreal não tinha o pedigree técnico de Rainha nem a fama urbana do Bamba. Mas tinha carisma. E presença constante na TV. Isso bastou para torná-lo objeto de desejo de milhares de crianças brasileiras.

A marca operou por anos em Nova Serrana (MG), polo do setor calçadista nacional. Mas, desde 2015, suas redes sociais estão abandonadas e o site oficial saiu do ar. Tudo indica que a Montreal não conseguiu acompanhar o ritmo das mudanças digitais e da nova lógica de mercado.

Mais que tênis: memórias que calçam a alma

O que faz alguém procurar um Kichute, uma Conga ou um Bamba em 2025? Talvez a vontade de reviver a infância, de calçar a simplicidade dos dias em que o importante era a bola de meia no campinho ou o recreio da escola.

Esses calçados carregam história. Foram testemunhas silenciosas de gerações que cresceram em ruas de paralelepípedo, que pulavam elástico e jogavam taco nas calçadas.

Hoje, em tempos de consumo rápido e efêmero, a onda retrô devolve alma aos objetos. E os tênis da nossa infância voltam como símbolo de autenticidade, resistência e pertencimento.

Afinal, quem nunca sonhou em sair por aí de Kichute nos pés, sentindo o cheiro da infância e ouvindo o eco das risadas do passado?

Marcello Sampaio é jornalista da Coluna Memória Urbana no Jornal e Portal Tribuna da Cidade.

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