Mais de 5 mil aves são resgatadas de cativeiro em Arapongas; caso expõe rede nacional de tráfico de animais silvestres

Por Marcello Sampaio, Isabelle Salustiano e Waurides Brevilhieri Júnior — Tribuna da Cidade

A Polícia Civil do Paraná (PCPR) deflagrou nesta sexta-feira (11) uma das maiores operações de resgate de animais silvestres já registradas no estado. Ao todo, mais de 5 mil aves e outros animais foram encontrados em condições degradantes em uma propriedade no município de Arapongas, no Norte do Paraná.

A ação teve início após uma denúncia anônima sobre o suposto comércio ilegal de aves silvestres. Diante da gravidade relatada, a PCPR acionou reforços da Guarda Civil Municipal Ambiental, Polícia Militar Ambiental e uma veterinária de Londrina, especializada em animais exóticos e silvestres.

Cenário de horror: fezes, feridas e ração com larvas

Durante a vistoria, os agentes se depararam com um cenário alarmante: gaiolas sujas, ração mofada com larvas, acúmulo de fezes e urina, ausência de iluminação natural e um número excessivo de aves mantidas em espaços minúsculos.

De acordo com o delegado Anderson Seiji Kudo, responsável pelo caso, várias aves estavam visivelmente debilitadas, com sinais de desnutrição, ferimentos, fraturas, cegueira e até morte por negligência. Algumas delas agonizavam no fundo das gaiolas, sem acesso à água ou alimento adequado.

Ao menos 500 aves em situação mais crítica foram imediatamente encaminhadas a um centro veterinário da região para tratamento emergencial. Além das aves, também foram resgatados 35 coelhos e 30 porquinhos-da-índia, todos com sintomas de sarna, cegueira e doenças infecciosas.

Investigados vendiam animais para todo o país

Dois homens, de 27 e 51 anos, foram identificados como responsáveis pelo local. Um deles afirmou ser criador há mais de 20 anos e declarou aos policiais que vendia os animais para diversas regiões do Brasil. Os suspeitos foram levados à delegacia e autuados por maus-tratos a animais, mediante Termo Circunstanciado por Infração Penal (TCIP).

Além do processo criminal, a Guarda Civil Municipal Ambiental aplicou multas administrativas contra os envolvidos. A investigação continua para apurar a extensão da rede de compradores e intermediários, bem como possíveis conexões com o tráfico nacional de fauna silvestre.

O tráfico de animais silvestres no Brasil: uma epidemia invisível

O caso de Arapongas não é isolado. O Brasil é um dos países mais afetados pelo tráfico de animais silvestres no mundo, e estima-se que 38 milhões de animais sejam retirados da natureza por ano, segundo dados do Renctas (Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres).

A maior parte desses animais é capturada na região Norte e Nordeste e vendida nos centros urbanos do Sudeste e Sul, em feiras clandestinas, pet shops ilegais ou mesmo pela internet. A prática alimenta um mercado paralelo milionário, que movimenta mais de R$ 3 bilhões por ano, com baixa taxa de punição.

Entre os principais alvos dos traficantes estão pássaros canoros como curiós, trincas-ferros e sabiás, mas também répteis, primatas, anfíbios e felinos. Muitos não sobrevivem ao transporte, sendo armazenados em caixas, garrafas ou malas, em meio a fezes e sem ventilação, comida ou água.

A retirada desses animais do seu habitat causa desequilíbrios ecológicos irreversíveis, além de contribuir para a extinção de espécies nativas e aumento de zoonoses — doenças transmissíveis de animais para humanos.

Legislação branda e falta de fiscalização alimentam o crime

Mesmo com leis que proíbem a caça e comércio de animais silvestres, como a Lei de Crimes Ambientais (9.605/1998), as penas brandas e a falta de estrutura de fiscalização ambiental tornam o crime atrativo para redes criminosas. Em muitos casos, os traficantes são apenas multados ou recebem penas alternativas, o que não inibe a reincidência.

Especialistas apontam a necessidade urgente de endurecimento das penas, aumento da fiscalização em feiras e aeroportos, além de conscientização da população sobre a compra ilegal de animais silvestres.

Solidariedade e reabilitação: os próximos passos

A Prefeitura de Arapongas informou que está colaborando com a operação e que será montada uma força-tarefa para encaminhar os animais aos centros de reabilitação credenciados. A expectativa é que, após os devidos cuidados, parte deles possa ser devolvida à natureza com o acompanhamento do Instituto Água e Terra (IAT).

Enquanto isso, o caso segue sob investigação. Novas diligências devem ocorrer nos próximos dias para apurar o destino de aves já comercializadas e a existência de compradores reincidentes.

LinkedIn
Facebook
X
WhatsApp

Você também pode gostar: