João Paulo II no Paraná: 45 Anos da Maior Multidão da História do Estado
Por Marcello Sampaio – Com informações da Agência Estadual de Notícias
A Jornada de Fé Inesquecível
Era julho de 1980. Um frio cortante tomava conta da capital paranaense, mas nada impediu que entre 700 mil e 1 milhão de pessoas formassem a maior multidão já registrada no Estado do Paraná. A visita de Sua Santidade, o Papa João Paulo II, ao Brasil incluía Curitiba como uma das 13 cidades brasileiras a serem abençoadas por sua presença. Nos dias 5 e 6 daquele mês, Curitiba viveu um fim de semana marcado pela fé, emoção e um sentimento coletivo de pertencimento à história.
A emoção foi tamanha que ainda hoje ecoa na memória dos paranaenses. Foi um evento que transcendeu a religião e se tornou um marco cultural, social e espiritual.
Chegada Histórica
No sábado, 5 de julho, às 16h30, o avião papal pousou em solo curitibano vindo de Porto Alegre. João Paulo II desceu do avião e beijou o chão do Paraná — gesto simbólico que ficou gravado nas imagens e no coração de todos que acompanharam aquele momento. O calor humano era evidente. As ruas estavam enfeitadas, cobertas com papel picado e dominadas pelo colorido das bandeirinhas do Vaticano e do Brasil.
A bordo de um micro-ônibus adaptado para o estilo papal, o Pontífice seguiu em carreata pelas ruas da cidade até o Estádio Couto Pereira, onde uma multidão já o aguardava. O carro foi carinhosamente apelidado de “Papamóvel”. Nas ruas, era possível ver crianças sobre os ombros dos pais, idosos emocionados e famílias inteiras reunidas nas calçadas.
45 anos da visita do Papa João Paulo II ao Paraná, em Curitiba – em 05 de julho de 1980 – Foto/Reprodução Acervo: Museu da Imagem e do Som e Arquivo Público Paranaense
Depoimentos que Marcaram Época
Para muitos, a lembrança daquele dia ainda pulsa como se tivesse ocorrido ontem. A funcionária pública Merli Garcia, na época datilógrafa da Casa Militar no Palácio Iguaçu, se emociona ao relembrar:
“Foi uma emoção muito forte vê-lo. O que senti dele foi uma pessoa muito carismática, muito querida. Assim como o Papa Francisco, o João Paulo II era uma pessoa muito humana, muito doce. Isso era o mais marcante nele”.
Ela também recorda a atmosfera festiva, como se a cidade tivesse se vestido de alegria.
“Lembro que as pessoas pareciam mais felizes, alegres, parecia até que não tinham problemas. Foi um momento de muita felicidade para as pessoas, pois recebemos um Papa na nossa cidade”.
Já Nilton Cesar Bassi, hoje auxiliar administrativo do Arquivo Público do Paraná, tinha apenas 12 anos, mas não esqueceu o momento.
“Eu estudava no Hauer e nós estávamos de férias. Mesmo assim, fomos para o colégio e recebemos bandeirinhas. Subimos para a Avenida Marechal Floriano Peixoto e ficamos esperando o Papa. Ele passou pela canaleta, estava cheio de gente. Foi realmente especial. Um momento único”.
45 anos da visita do Papa João Paulo II ao Paraná, em Curitiba – em 05 de julho de 1980 – Foto/Reprodução Acervo: Museu da Imagem e do Som e Arquivo Público Paranaense
O Encontro com a Comunidade Polonesa
O Estádio Couto Pereira foi o cenário do primeiro grande encontro entre o Santo Padre e o povo paranaense. Cerca de 70 mil pessoas acompanharam a cerimônia de boas-vindas. João Paulo II, nascido Karol Józef Wojtyła na Polônia, emocionou-se ao ver o número expressivo de descendentes poloneses no local.
Ele foi recebido com sal e broa polonesa, que beijou com devoção. Apresentações culturais com danças e canções típicas da Polônia foram oferecidas em sua homenagem. Algumas famílias compareceram em trajes tradicionais, celebrando suas raízes.
Uma das atrações foi a réplica de uma casa polonesa, levada da Colônia Thomaz Coelho, em Araucária, e montada no gramado do estádio. Após a visita do Papa, essa casa foi transferida para o Bosque Papa João Paulo II, projetado por Burle Marx, e transformada em uma capela dedicada à Virgem Negra de Czestochowa.
45 anos da visita do Papa João Paulo II ao Paraná, em Curitiba – em 05 de julho de 1980 – Foto/Reprodução Acervo: Museu da Imagem e do Som e Arquivo Público Paranaense
A Grande Missa: Domingo, 6 de Julho
No domingo, às 10h da manhã, o Palácio Iguaçu se transformou em palco de um dos momentos mais solenes da história do Estado: a missa celebrada por João Paulo II, transmitida ao vivo para o mundo, diretamente da capital paranaense.
Foi a primeira missa dominical do mês celebrada fora da Basílica de São Pedro. O Papa se paramentou na capela de Nossa Senhora do Rocio, dentro do próprio Palácio, e saiu para encontrar a multidão que se estendia por quase dois quilômetros — do Palácio Iguaçu até a Catedral Basílica de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais.
O número exato de pessoas nunca foi definido, mas estimativas da época falam entre 700 mil e 1 milhão de fiéis. Um coral de 400 vozes de diferentes corais da cidade abrilhantou a celebração, transmitindo espiritualidade ao evento.
Nilton Bassi também estava lá com seus pais:
“Nunca tinha visto uma multidão tão grande. Lembro que ficamos longe do altar, mas conseguíamos ouvir bem. Alguém me pegou no colo e consegui ver. Foi emocionante e desafiador, porque meus pais ficaram preocupados em não me perder naquela aglomeração”.
Tradição e Organização
Merli Garcia relembra outro detalhe curioso: a exigência de trajes discretos para os servidores públicos que estariam no Palácio:
“Tivemos que vir com uma roupa discreta, mais clássica. Sapato preto, mulheres de cinza. Era algo mais tradicional, como pede uma visita do Papa”.
O transporte oficial do Papa até o Palácio foi um Ford Galaxie Landau preto, adaptado com teto solar para permitir que o Pontífice acenasse ao povo. O veículo, que normalmente transportava o governador, está hoje cedido ao Veteran Car Clube de Curitiba.
Houve até um ensaio geral dois dias antes, envolvendo militares e civis, para que tudo saísse conforme o protocolo.
O Acervo da História
O Arquivo Público do Paraná e o Museu da Imagem e do Som (MIS) desempenham papel essencial na preservação da memória deste evento. Entre os documentos guardados estão plantas do trajeto papal, esquemas de ocupação do Estádio Couto Pereira, atas das reuniões preparatórias e até os crachás usados por jornalistas da imprensa internacional.
Marcelo Fernandes Rodrigues, arquivista do Arquivo Público, explica:
“Temos o cuidado de preservar o que já foi produzido no passado e também de orientar a gestão dos documentos atuais. Entre os acervos da visita do Papa estão mapas, microfilmes, relatórios e convites. É documentação de altíssimo valor histórico”.
O MIS também guarda fotos e vídeos originais da missa, além de imagens raras da visita. A diretora do museu, Mirele Camargo, era uma das crianças que enfrentaram o frio de julho de 1980 para ver o Papa de perto:
“Foi uma emoção gigantesca. Me apaixonei pelo Papa naquele dia. Hoje, ver essas fotos me emociona de um jeito diferente. O MIS mantém viva essa memória coletiva”.
45 anos da visita do Papa João Paulo II ao Paraná, em Curitiba – em 05 de julho de 1980 – Foto/Reprodução Acervo: Museu da Imagem e do Som e Arquivo Público Paranaense
O Legado e a Nova Geração
João Paulo II visitou o Brasil outras duas vezes após 1980, mas não retornou ao Paraná. Faleceu em 2005 e foi canonizado como São João Paulo II em 2014. No Paraná, seu legado é mantido não apenas pelo Bosque do Papa, mas também pelo sentimento de fé que permanece.
Curiosamente, o atual Papa, Leão XIV, também já pisou em solo paranaense, em 2004, quando ainda era conhecido como Robert Francis Prevost. Ele visitou Curitiba, Ponta Grossa e Rolândia como missionário da Ordem de Santo Agostinho.
Em memória ao Papa Francisco, falecido em maio de 2025, a cidade de Curitiba prepara a inauguração de um parque em sua homenagem, no bairro Abranches, fortalecendo ainda mais o laço da cidade com a história do papado.
45 anos da visita do Papa João Paulo II ao Paraná, em Curitiba – em 05 de julho de 1980 – Foto/Reprodução Acervo: Museu da Imagem e do Som e Arquivo Público Paranaense
Encerramento de uma Visita Inesquecível
Às 12h40 do domingo, João Paulo II deixou Curitiba rumo a Salvador, continuando sua peregrinação brasileira. Em sete dias, passaria por mais seis cidades do Norte e Nordeste.
No Paraná, sua presença ainda ressoa como símbolo de fé, unidade e respeito. A visita que emocionou gerações permanece como o maior evento público da história do Estado — e um dos maiores atos de devoção popular do Brasil contemporâneo.
Créditos: Reportagem de Marcello Sampaio, com informações da Agência Estadual de Notícias. Fotos e documentos: Acervo do Museu da Imagem e do Som do Paraná (MIS-PR) e Arquivo Público do Paraná.