Por Marcello Sampaio
“Roubalheira desde o berço”: Décadas de corrupção e decadência em Pontal do Paraná
O Município de Pontal do Paraná, emancipado oficialmente em 1997, nasceu sob a promessa de progresso e autonomia para a população litorânea que ansiava por desenvolvimento. Mas, ao contrário do que se esperava, o que se construiu foi um verdadeiro laboratório de corrupção endêmica, loteamento político e desvio sistemático de dinheiro público.
De prefeitos pioneiros a seus herdeiros políticos, a máquina pública foi se tornando uma engrenagem a serviço de grupos privados e familiares. A cada novo mandato, novas promessas, novos escândalos. O resultado é uma cidade onde falta esgoto, faltam médicos, faltam escolas — mas nunca faltou dinheiro público desviado.
Linha do tempo da corrupção
1997 – 2000 | Dr. Hélio Gaisler de Queiróz e José Antônio da Silva
Logo na primeira gestão, o município já foi sacudido por denúncias de superfaturamento em obras de pavimentação, aquisição de ambulâncias com preços inflados e contratos sem licitação. O Tribunal de Contas apontou ainda a ausência de controle interno e favorecimento de fornecedores.
“Era tudo feito às escondidas. Parecia que a prefeitura tinha donos”, relata Francisco Nogueira, comerciante antigo da região central.
2001 – 2004 | José Antônio da Silva e José Wigineski
Durante seu mandato, verbas da educação desapareceram misteriosamente, e escolas caíram em ruínas. Investigações federais identificaram fraudes no fornecimento de merenda escolar e desvio de verba do transporte escolar.
“Tiraram comida das crianças! Isso é mais que roubo, é crueldade”, denuncia Carla Marinho, ex-servidora da educação.
2005 – 2012 | Rudisney Gimenes e os irmãos Marcelino da Veiga
Em dois mandatos consecutivos, Rudisney transformou a prefeitura em uma verdadeira dinastia, com nepotismo escancarado, uso de “laranjas” em contratos milionários de obras e um esquema contínuo de fraudes em licitações. Foram mais de 30 apontamentos do Tribunal de Contas e denúncias ao Ministério Público.
“Eles diziam que era progresso, mas era tudo casadinho. Quem não aceitava o esquema, era demitido”, disse um ex-diretor da Secretaria de Obras sob anonimato.
2013 – 2016 | Edgar Rossi e Danilo Garbelotti
Rossi tentou vender uma imagem de gestor moderno, mas logo caiu em escândalos de rachadinha, desvio de combustível da frota e contratos fantasmas em áreas como eventos e publicidade.
“A ambulância não tinha combustível, mas o carro da prefeitura ia até shopping em Curitiba todo sábado”, afirma Marta Ribeiro, moradora do Balneário Carmery.
2017 – 2020 | Marcos Fioravanti e Fabio de Oliveira
A gestão foi marcada por contratos suspeitos de coleta de lixo com empresas recém-criadas, indicando fortes indícios de direcionamento. Um relatório da Controladoria Interna alertou para pagamentos de valores superfaturados em serviços simples.
“A limpeza da cidade piorou, mas o valor do contrato triplicou. Onde foi parar esse dinheiro?”, questiona o líder comunitário Cezar Lopes.
2020 | Fabiano Alves Maciel (mandato-tampão)
Com menos de um ano no cargo, Maciel protagonizou um festival de nepotismo, nomeando parentes e aliados em cargos estratégicos e usando a máquina
pública para promover sua candidatura.
“Era só trocar cargo por apoio. Quem falava, perdia o emprego”, revela um servidor comissionado exonerado.
2021 – 2024 | Rudisney Gimenes Filho e Patricia Millo Marcomini
Conhecido como “Rudão”, o filho do ex-prefeito trouxe de volta os velhos hábitos. Sua gestão é marcada por escândalos envolvendo rachadinhas em cargos comissionados, desvios de verbas da saúde durante a pandemia e abuso de propaganda institucional com fins eleitorais.
“Não mudou nada. Só trocaram o rosto, mas a quadrilha é a mesma”, desabafa Valter Moura, comerciante de Shangri-lá.
“É muita perseguição também. O prefeito está tentando organizar, mas tem gente que só quer ver o circo pegar fogo”, contrapõe Carlos Bertoni, morador da região central.
Eleição de 2024: o estopim do escândalo
Durante a campanha municipal de 2024, a denúncia de compra de votos com canos de PVC e churrasco no Balneário Olho D’Água explodiu como uma bomba. Segundo o Ministério Público Eleitoral, o evento contou com promessas explícitas em troca de votos e distribuição de bens em plena campanha. O caso gerou um pedido de cassação dos mandatos do prefeito, da vice e do vereador Ezequiel Tavares.
14 de maio de 2025: O MPE se manifestou oficialmente pedindo a cassação e a inelegibilidade dos envolvidos por oito anos.
16 de maio de 2025: A defesa negou as irregularidades e alegou que se tratava de uma “reunião política”.
Novos escândalos e a podridão no subsolo do poder
As investigações aprofundadas revelaram esquemas de corrupção generalizada:
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Rachadinhas na Procuradoria: a procuradora do município, Dra. Virgínia, é acusada de obrigar assessores a devolver parte dos salários.
“Era devolve ou rua. Todo mundo sabia. E a ordem vinha de cima”, disse um ex-assessor, sob sigilo.
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Propinas na Secretaria de Turismo: o ex-secretário e atual vereador Juvanete cobrava propina de até R$ 10 mil para favorecer empresas em licitações.
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Corrupção no Legislativo: vereadores são investigados por desvios e contratos fraudulentos.
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Caso Nei da Pesca: flagrado recebendo dinheiro para mudar pareceres sobre zoneamento costeiro, beneficiando empreendimentos ilegais.
O povo cansou
A revolta é generalizada. Protestos, denúncias anônimas e mobilizações populares vêm ganhando força. A hashtag #JustiçaEmPontal tomou as redes.
“Essa cidade virou negócio de máfia. Entram pobres, saem ricos. E nós continuamos sem nada”, desabafa Maria de Lourdes, do Balneário Ipanema.
“A maioria desses políticos devia estar na cadeia, não no gabinete”, diz indignado o pescador aposentado Antônio Barbosa.
“Mas tem também os bons, que tentam trabalhar. Só que o sistema é sujo e impede qualquer mudança”, lamenta Solange Martins, professora da rede pública.
A pergunta que ecoa
Até quando? Até quando o povo de Pontal do Paraná continuará sendo refém de uma política corrupta, familiar e oportunista? O ciclo de poder se renova apenas nos nomes. As práticas continuam as mesmas: saques ao erário, impunidade e abandono social.
Com a possibilidade de cassações em curso e novos processos sendo analisados, Pontal do Paraná pode finalmente estar diante de um ponto de inflexão. Mas, para isso, será preciso coragem — não apenas da Justiça, mas do próprio povo.
Esta reportagem integra a série especial da Coluna Política em Pauta, assinada pelo jornalista investigativo Marcello Sampaio.
Em breve: novos documentos, depoimentos e revelações exclusivas sobre o esquema que transformou Pontal do Paraná num bunker da corrupção estadual.