Por Marcello Sampaio – | Tribuna da Cidade
Após mais de dois anos explorando as linhas da falida Itapemirim por um valor 850% abaixo do mercado, a empresa Suzantur está prestes a assumir oficialmente as rotas e, de quebra, levar toda a massa falida da viação — avaliada em R$ 97 milhões — sem desembolsar um único real.
A justificativa? A Suzantur afirma ter investido R$ 550 milhões durante o período de arrendamento precário. E, segundo cláusula do contrato, a arrendatária pode utilizar 50% do valor investido como lance. Na prática, a Suzantur pode apresentar uma proposta de R$ 275 milhões — quase o triplo do valor avaliado — sem tirar dinheiro do próprio bolso.
O mais surpreendente é que tais condições foram integralmente aceitas pela administradora judicial da massa falida da Itapemirim, a EXM Partners, sem ressalvas, no momento da assinatura do contrato.
Do ABC Paulista às Estradas Federais
A Suzantur assumiu as linhas da Itapemirim no exato dia em que a empresa teve sua falência decretada: 21 de setembro de 2022. A mesma decisão judicial que transformou a recuperação judicial da Itapemirim em falência autorizou o arrendamento das rotas pela Suzantur, mesmo sem licitação, concorrência ou consulta prévia ao mercado.
O contrato previa o pagamento de R$ 200 mil mensais ou 1,5% das vendas de passagens, o que fosse maior. Incluía ainda as 125 linhas interestaduais da Itapemirim, pontos de venda, salas VIP, marcas e até imóveis.
À época, a Suzantur — registrada como Transportadora Turística Suzano — não possuía histórico em transporte rodoviário de longa distância, operando exclusivamente no transporte urbano do ABC paulista. Mesmo assim, não houve questionamentos da administradora judicial sobre sua capacidade técnica ou logística.
Propostas Ignoradas
Apesar disso, outras empresas do setor apresentaram propostas mais vantajosas, mas foram ignoradas pela administração judicial.
A Viação Garcia fez uma oferta em julho de 2022, seguida pelas tradicionais Viação Rio Doce e Viação Águia Branca. Em julho de 2023, a Rio Doce alertou que a Suzantur não estaria cumprindo o contrato e apresentou proposta para parte das linhas no valor de R$ 45 mil.
No mês seguinte, um ofício da ANTT revelou que, das 125 linhas arrendadas, apenas 29 estavam efetivamente em operação.
Com a aproximação do fim do contrato, os valores dispararam:
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Setembro de 2024: Expresso União propõe R$ 1 milhão e abre mão de reembolsos;
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Outubro de 2024: Águia Branca oferece R$ 1,2 milhão;
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Janeiro de 2025: União propõe R$ 1,7 milhão; Águia Branca sobe para R$ 3 milhões — 15 vezes mais do que a Suzantur paga atualmente.
Decisões e Manobras Judiciais
Mesmo diante dessas ofertas, a EXM Partners defendeu a permanência da Suzantur, pedindo a prorrogação do contrato por mais 180 dias. O pedido foi aceito pelo Tribunal de Justiça de São Paulo em 7 de fevereiro de 2025.
A justificativa foi a proximidade com o leilão da massa falida, no qual, ironicamente, a Suzantur poderá vencer sem pagar nada.
No entanto, 20 dias depois, uma nova decisão suspendeu a prorrogação. A Suzantur recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), alegando já ter investido R$ 280 milhões na operação e R$ 220 milhões na renovação da frota.
Em decisão liminar, o STJ restabeleceu o contrato e manteve a prorrogação por mais 180 dias, garantindo à Suzantur mais tempo à frente das rotas, mesmo diante de questionamentos sobre sua legitimidade e da concorrência claramente mais vantajosa ao espólio da falida Itapemirim.
Conclusão
O caso expõe um labirinto jurídico e administrativo que pode permitir à Suzantur incorporar uma massa falida milionária sem desembolsar um centavo em dinheiro vivo, enquanto ofertas mais altas e de empresas com histórico comprovado foram deixadas de lado.
A população e o setor de transporte rodoviário acompanham atentos: será que a Justiça permitirá que uma empresa sem tradição no segmento leve um espólio milionário sem concorrência, sem investimento real e com o aval da própria administração judicial?