Por Equipe de Jornalismo Investigativo | Supervisão editorial e matéria complementar: Marcello Sampaio
Paraná – O que começou como uma denúncia isolada transformou-se em uma revelação alarmante sobre a realidade de crianças em instituições de ensino infantil no Paraná. Desde o início de julho de 2025, uma série de casos envolvendo maus-tratos, negligência, abuso emocional e até físicos têm mobilizado pais, autoridades e a sociedade em geral, escancarando o que muitos já suspeitavam: há falhas graves na fiscalização e na formação de profissionais que atuam com a infância.
O caso mais emblemático ocorreu em Araucária, na Região Metropolitana de Curitiba. No dia 7 de julho, a Guarda Municipal, em ação conjunta com o Conselho Tutelar, resgatou uma criança autista de apenas 4 anos que havia sido amarrada dentro do banheiro de uma escola particular do bairro Iguaçu, chamada informalmente de Centro de Educação Infantil Shanduca. A denúncia foi apurada de forma imediata e levou à prisão em flagrante de uma jovem de 18 anos que atuava como assistente de sala na instituição.
A criança, com diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA) nível 3, foi encontrada em condição degradante. A mãe do menino acompanhou toda a operação, em estado de choque. A equipe da Guarda confirmou que a criança estava com os braços amarrados e isolada em um ambiente impróprio, sem qualquer justificativa educacional ou terapêutica.
Apesar do flagrante, a Justiça autorizou a soltura da assistente dias depois, com base em sua primariedade e por ser mãe de uma criança pequena. A jovem cumprirá prisão domiciliar com uso de tornozeleira eletrônica e está proibida de atuar com crianças enquanto durar o processo.

Depoimentos Reveladores e Novas Denúncias
Com a repercussão do caso, outros pais e ex-funcionários da escola vieram a público denunciar uma suposta rede de abusos e negligência que seria coordenada pela diretora e proprietária da instituição, Danieli Alexandra Zimermann Padilha, conhecida como “Dani”. Segundo testemunhas, ela determinava as punições que incluíam manter crianças presas, amarradas ou sem alimentação adequada.
Uma ex-funcionária, que trabalhou na escola por seis meses, revelou: “Ela [Danieli] nos dizia para usar fita crepe para manter os pequenos sentados ou presos. Disse também para não dar comida demais para evitar sujeira, mesmo com os pais pagando alimentação”.
Outro relato chocante veio de um pai que recebeu uma foto da filha de três anos com as mãos amarradas. “Me mandaram a foto e disseram que era rotina. Fiquei sem chão. Minha filha chorava todos os dias e eu achava que era birra”, contou.
Danieli também é acusada de coagir professores, dizendo que, por sua influência política, ninguém conseguiria emprego em Araucária se denunciasse a escola. Ela se apresentava como terapeuta infantil, fazia parte do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) e era vice-presidente de uma ONG ligada à adoção. Após as denúncias, foi afastada cautelarmente do CMDCA.
Reação das Autoridades
A Delegacia de Araucária conduz duas frentes de investigação: uma relacionada à prisão em flagrante da assistente e outra sobre as múltiplas denúncias envolvendo a direção da Escola Shanduca. O delegado responsável afirmou: “O caso da criança autista gerou um efeito dominó. Agora apuramos também as condutas da gestão da escola, que podem configurar crimes de tortura, maus-tratos e associação criminosa”.
Paralelamente, a Secretaria Municipal de Educação solicitou ao Conselho Municipal de Educação a suspensão cautelar do funcionamento da escola. Uma reunião extraordinária foi marcada para o dia 10 de julho.
A Promotoria da Infância e Juventude acompanha o caso e avalia se houve omissão por parte do poder público na fiscalização da instituição.
Casos semelhantes em outras cidades
O drama de Araucária não é isolado. Em Mangueirinha, no sudoeste do estado, câmeras de segurança flagraram uma professora de um Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI) agredindo alunos. As imagens mostram a educadora puxando crianças pelos braços, forçando-as a sentar e puxando com força a cabeça de uma menina.
A profissional foi afastada por 60 dias e responde a inquérito por maus-tratos e lesão corporal. A polícia já identificou sete crianças vítimas em potencial e deve analisar outros dias de gravações para ampliar a apuração.
Famílias em sofrimento e pedido por justiça
Os pais das crianças estão devastados. Muitos relatam que notaram mudanças no comportamento dos filhos, como agressividade, choro constante e recusa em ir à escola. “Meu filho começou a me bater. Achei que era fase. Agora entendo que ele estava reagindo a um ambiente de terror”, contou uma mãe.
Moradores também se manifestaram nas redes sociais e em frente às instituições denunciadas. “Não é só justiça. É sobre proteger os próximos. Essa escola nunca mais pode abrir as portas”, disse uma avó emocionada.
Histórico criminal dos envolvidos
A assistente de sala de Araucária não tinha antecedentes criminais. Já a diretora da escola Shanduca, Danieli Padilha, responde a processos anteriores por supostos abusos psicológicos em outro projeto social que comandava. No entanto, nunca havia sido formalmente denunciada até agora. Com as novas denúncias, o Ministério Público pode reabrir casos antigos arquivados por falta de provas.
Medidas futuras e reflexões
Especialistas em educação e direitos humanos destacam a necessidade urgente de revisão nos critérios de autorização de escolas particulares, acompanhamento psicológico constante dos profissionais da educação infantil e a instalação obrigatória de câmeras de segurança em creches e CMEIs.
“Essas crianças foram silenciadas, mas o comportamento delas gritou. Precisamos ouvi-las antes que seja tarde”, pontua a pedagoga e especialista em educação inclusiva, Fabiana Rezende.
Enquanto isso, famílias buscam conforto e segurança. A Prefeitura de Mangueirinha e a de Araucária prometeram apoio psicológico e legal às vítimas.
Tribuna da Cidade continuará acompanhando cada desdobramento com o compromisso de dar voz às vítimas e cobrar ações das autoridades.
Matéria produzida pela equipe de jornalismo investigativo com supervisão e conteúdo complementar de Marcello Sampaio.